Internação do ex-presidente ocorre às vésperas do Natal, sob vigilância permanente, em uma decisão que mostra o limite entre o rigor da Lei e o direito à saúde
Bolsonaro fará cirurgia no Natal - Fabio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil
Brasília vive, neste 23 de dezembro, um daqueles dias em que a política ultrapassa os gabinetes e invade o campo simbólico da história. Às vésperas do Natal, data tradicionalmente associada à família, à pausa e à reconciliação, o ex-presidente Jair Bolsonaro deixará temporariamente a sala onde cumpre pena na Superintendência da Polícia Federal para ser internado e passar por uma cirurgia.
A autorização foi concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após análise de laudos médicos apresentados pela defesa e pareceres de peritos da própria Polícia Federal. Bolsonaro será internado ainda hoje no Hospital DF Star, em Brasília, e o procedimento cirúrgico está previsto para esta quarta-feira (24).
Condenado a 27 anos e três meses de prisão no processo que apurou a tentativa de ruptura institucional e a chamada trama golpista, o ex-presidente permanece preso em regime fechado. A decisão judicial não altera sua condição penal, mas reconhece um direito básico assegurado pela Constituição: o acesso à saúde.
O procedimento
Segundo informações médicas encaminhadas ao STF, Bolsonaro será submetido a uma cirurgia para correção de uma hérnia inguinal — condição caracterizada pela protrusão de parte do intestino através da parede abdominal, geralmente na região da virilha. O quadro pode provocar dor, desconforto e risco de complicações caso não seja tratado.
Além da hérnia, os médicos também apontaram um quadro de soluço persistente, sintoma que, embora muitas vezes banalizado, pode indicar alterações neurológicas, metabólicas ou compressões internas, especialmente em pacientes com histórico cirúrgico abdominal, como é o caso do ex-presidente.
A internação deve durar entre cinco e sete dias, período considerado padrão para observação pós-operatória, controle da dor e prevenção de infecções ou intercorrências.
Vigilância permanente e restrições
Durante toda a internação, Jair Bolsonaro permanecerá sob custódia da Polícia Federal. Por determinação de Alexandre de Moraes, a vigilância será ininterrupta, com dois agentes posicionados permanentemente na porta do quarto, além de equipes distribuídas em áreas internas e externas do hospital.
O transporte entre a PF e o hospital será realizado pela própria Polícia Federal, com orientação expressa para que o esquema de segurança seja “discreto”, evitando exposição desnecessária.
Também foram impostas restrições rigorosas: está proibida a entrada de celulares, computadores, tablets ou qualquer outro dispositivo eletrônico no quarto do ex-presidente. O objetivo, segundo a decisão, é impedir comunicações não autorizadas durante o período de internação.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi autorizada a permanecer como acompanhante. Qualquer outra visita dependerá de autorização prévia do ministro do STF.
Entre o Estado e o ser humano
A imagem de um ex-presidente da República deixando a prisão escoltado para uma cirurgia no Natal carrega um peso que vai além do fato jurídico. Ela sintetiza o momento histórico vivido pelo Brasil: um país que, após flertar com o autoritarismo, reafirma o império da lei — mas sem abrir mão dos direitos humanos fundamentais, direitos esses outrora tão criticados pelo núcleo duro do bolsonarismo.
A decisão do STF deixa claro que o rigor da Justiça não se confunde com vingança, assim como a garantia de direitos não significa impunidade. Bolsonaro segue preso, condenado e vigiado. Mas, como qualquer cidadão sob custódia do Estado, não pode ter negado o direito à integridade física.
Neste fim de ano, enquanto milhões de brasileiros enfrentam suas próprias dores — sociais, econômicas e emocionais, enquanto, felizmente, a maioria se diverte —, o episódio serve como lembrete de que a democracia também se mede na forma como o Estado trata aqueles que caíram em desgraça política.
O Natal de Jair Bolsonaro será passado entre paredes brancas, escoltas silenciosas, decisões judiciais e procedimentos médicos. Um retrato duro, simbólico e histórico de um ciclo político que terminou longe dos palanques, mas sob os olhos atentos da lei.
E-mail: sulpost@outlook.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário