Ao jogar sandálias no lixo e acusar a marca de “lacração”, Eduardo Bolsonaro reacende a polarização política, transforma um comercial em símbolo cultural — e entrega à Havaianas uma publicidade que dinheiro nenhum compra
Em tempos de redes sociais, há gestos que não se perdem no lixo — mesmo quando são filmados exatamente ali. No último domingo (22), o ex-deputado federal Eduardo Bolsonaro publicou um vídeo em que aparece jogando um par de sandálias Havaianas no lixo, ao som de Still D.R.E., de Snoop Dogg, enquanto dispara a frase que virou bordão de uma bolha política: “quem lacra, não lucra”.
A intenção era clara: atacar a marca brasileira após o lançamento de sua nova campanha publicitária estrelada pela atriz Fernanda Torres. O efeito, no entanto, foi outro — e talvez oposto. Em poucas horas, as Havaianas dominaram os assuntos mais comentados das redes sociais, tornaram-se centro de memes, debates, ironias e defesas apaixonadas. O boicote anunciado virou, na prática, um fenômeno de viralização.
Não é a primeira vez que a política tenta interferir no consumo. Mas poucas vezes isso aconteceu de forma tão simbólica — e contraditória. Um produto popular, fabricado no Brasil, usado por milhões de trabalhadores, virou alvo de ataque de um político que hoje vive fora do país e acusa a própria marca nacional de “se posicionar contra a direita”.
A campanha que acendeu o pavio
O estopim da polêmica foi uma peça publicitária simples, reflexiva e longe de qualquer menção partidária. No comercial, Fernanda Torres convida o público a não começar 2026 apenas “com o pé direito”, mas com os dois pés: na estrada, na porta, na jaca, onde quiser — indo inteiro, de corpo e alma.
A mensagem, típica de campanhas de fim de ano, foi interpretada por setores da extrema-direita como uma provocação ideológica. Eduardo Bolsonaro reagiu afirmando que a atriz seria “de esquerda” e criticando o fato de ela ter se manifestado publicamente em defesa da democracia após os ataques de 8 de janeiro de 2023.
O vídeo em que joga as sandálias fora, publicado dos Estados Unidos, rapidamente se espalhou. A trilha sonora escolhida — um clássico do rap norte-americano — não passou despercebida e virou alvo de ironias nas redes, inclusive pelo contraste entre o discurso nacionalista e o consumo cultural estrangeiro.
O boicote que virou meme — e marketing involuntário
A partir da postagem de Eduardo Bolsonaro, aliados e influenciadores do bolsonarismo passaram a convocar um boicote à marca. Hashtags pedindo para “jogar Havaianas no lixo” circularam, vídeos foram replicados e a polarização ganhou mais um capítulo.
Mas a internet não funciona apenas como palanque. Funciona também como espelho. E, nesse espelho, o que se viu foi uma reação em cadeia de consumidores ironizando o boicote, defendendo a marca e lembrando que as Havaianas são um dos símbolos mais reconhecidos do Brasil no mundo.
Para muitos, o ataque soou como um tiro no pé — ou, neste caso, no chinelo. A marca ganhou visibilidade gratuita, engajamento orgânico e presença constante nas timelines justamente às vésperas do Natal, período mais forte para o varejo.
Há quem aposte, inclusive, que este pode ser um dos melhores fins de ano da história recente das Havaianas, impulsionado não pela propaganda tradicional, mas pela tentativa de cancelamento.
Quando a cultura popular resiste
As Havaianas atravessaram governos, crises econômicas, modas e gerações. Estão nos pés do trabalhador, do turista, do estudante, do aposentado. Tornaram-se símbolo de um Brasil cotidiano, simples e diverso — muito distante das disputas ideológicas importadas das redes.
Ao tentar transformar um produto popular em inimigo político, o bolsonarismo esbarrou em algo maior do que a guerra cultural: a memória afetiva coletiva. E isso, na comunicação, costuma falar mais alto do que qualquer discurso de ódio.
No fim, o episódio revela mais sobre o estado da polarização no país do que sobre a campanha em si. Um comercial vira ataque. Um ataque vira viralização. E uma sandália vira símbolo de resistência cultural.
Talvez, sem querer, Eduardo Bolsonaro tenha feito o que mais teme: ajudado a “lucrar” quem ele tentou cancelar.
Por Ronald Stresser — Sulpost
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